quinta-feira, 30 de julho de 2009

Sagrada Cruz Kaiowá Guarani


Do sítio do Conselho Indigenista Missionário - CIMI, crônica de Egon Heck.

Vento gélido. A tosse parecia orquestrada. Crianças e adultos irmanados na dor e esperança. Aos poucos dezenas de Kaiowá Guarani vão se reunindo ao nosso redor. Iniciam o jeroki, dança ritual de boas vindas. Estávamos levando lona preta e alguma roupa. A ventania de dois dias anteriores havia destruído em grande parte as lonas dos barracos. Ligaram pedindo socorro. O Centro de Defesa dos Direitos Humanos Marçal de Souza procurou sensibilizar entidades e pessoas em Campo Grande. O Cimi apoiou. O pouco conseguido precisava chegar lá com urgência. É o período mais frio deste inverno. Na sua fala corajosa, uma das lideranças dizia. “Queremos agradecer os aliados. Graças a Deus temos gente que nos apóia, nos ajuda a enfrentar todas as dificuldades. Estamos lutando. O frio também é uma benção. Deus está conosco, olhando por nós e nossas crianças.”

É impressionante sentir a vibração de uma comunidade que há dois anos e meio voltou ao seu lugar, da sagrada cruz, Kurusu Ambá. Tiveram sua líder religiosa, Julite, assassinada. Vários parentes presos e feridos; foram jogados na beira da estrada. Voltaram mais duas vezes. Mais duas lideranças assassinada. Ortiz Lopes dia 8 de julho de 2007 e Osvaldo Pereira, dia 29 de maio deste ano. Estão ali embaixo de frágeis lonas. Tossindo e com falta de comida. Pedem que se divulgue isso para o mundo. Mas não estamos diante de uma comunidade triste e abatida por tanto sofrimento. Ao contrário, vemos um monte de crianças alegres, pintadas, se movimentando, tagarelando. Os adultos fazem suas falas, suas exigências e reclamação de seus direitos. Uma comunidade amadurecida e unida pela dor e pela luta. Gente de uma resistência admirável, inquebrantável. Gente que transpira alegria em meio à dor e carestia. Gente humilde, sábia e lutadora. “Até a vitória!”, exclamava um jovem, repedido em coro pelos demais.

Não estão ali acomodados ou resignados. Querem seus direitos. Querem sua terra de volta. Não querem continuar dependendo de cesta básica. Querem cobrir seus ranchos de sapé. Não querem continuar sob as frias lonas pretas. Querem ter novamente uns pedaços de lenha para fazer o fogo em torno do qual fazem girar e aquecer a vida. Querem viver com dignidade e em paz.

As cruzes semeadas, vidas plantadas!

Ao passarmos logo na saída do acampamento Eliseu nos mostra a cruz onde encontraram morto o companheiro Osvaldo, há menos de dois meses. Passaram o dia ao redor do corpo ali estirado, sem que tomassem a providência solicitada, para um laudo pelo policia federal. “Colocamos ali uma cruz, por que não queriam deixar ali um sinal do assassinato.” Ali perto outra cruz onde sepultaram uma criança que morreu de fome há poucos meses.

Ali próximo já estão as cruzes de Julite e de Ortiz. Quantas cruzes serão ainda necessárias para que possam, finalmente,estar de volta à sua terra, a sua sagrada cruz, Kurusu Ambá?

Querem viver. Não querem continuar vendo suas lideranças sendo assassinadas ou presas. Querem que isso seja dito ao povo brasileiro e ao mundo.

Fonte(IHU)

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